Estranhões, Bizarrocos e outros seres sem exemplo
Jácome era um inventor de coisas impossíveis: tinta invisível, formigas mecânicas, pássaros a vapor, sapatos voadores, aparelhos de produzir espirros. Não se podia dizer
dele que não tinha imaginação – tinha, e de sobra. Não se podia dizer que não fosse trabalhador – Jácome trabalhava o dia inteiro. O problema era que nada do que ele inventava parecia ter utilidade.
- Jácome – diziam-lhe os amigos -, o que tu fazes são inutensílios. Inventa alguma coisa que preste. Por exemplo: couves com sabor a chocolate. Máquinas de fazer sol. Peúgas à prova de buracos.
Jácome concordava com os amigos. Sim, eles tinham razão. Fechava-se na sua oficina e começava a desenhar novos projectos. Porém, o que saía das suas mãos, nem ele percebia como, eram só engenhosos disparates: água em pó, pregos de papel, comprimidos para adormecer caracóis.
Os amigos começaram a afastar-se dele. “É maluquinho”, comentavam, “não faz mal a ninguém, mas é assim meio maluquinho”.
Um dia Jácome acordou e percebeu que já não tinha amigos. Estava sozinho no mundo. Completamente sozinho. Tinha os pássaros a vapor, é certo, e as formigas mecânicas. Então, para lhe fazerem companhia, inventou outros animais.
Um mundo inteiramente novo começou a nascer na sua oficina: eram lagartixas de todas as cores do arco-íris, camelos de cinco bossas, camaleões cantores, de pele luminosa, gatos que pareciam anjos, com pequenas asas de seda plantadas no meio das costas. Um dia inventou um animal que não se assemelhava a mais nenhum. No dia seguinte criou um segundo, igualmente estranho e chamou-lhe Bizarroco.
Quando as outras pessoas descobriram o que se estava a passar já era demasiado tarde. Os bichos de Jácome não cabiam na oficina e espalhavam-se pelo quintal, pelo pátio, e até pelo passeio em frente. Os vizinhos resolveram chamar a polícia:
- Aquele homem – acusaram –, inventou um mundo. E o mundo dele está a engolir o nosso. Alguns traziam fotografias dos estranhões e dos bizarrocos.
- Vejam bem – mostravam –, estas coisas não podem existir. Elas assustam as nossas crianças.
Não era verdade. As crianças não se assustavam com os bizarrocos e nem sequer com os estranhões. Eles nunca tinham visto nada assim, mas todos os dias descobriam coisas novas, que nunca tinham visto antes, e por isso achavam os estranhões e os
bizarrocos muito naturais e gostavam deles.
Os vizinhos, porém, insistiram tanto, tanto, que os polícias foram obrigados a intervir. Numa tarde de chuva, muitíssimo triste, bateram à porta da oficina e levaram Jácome para a prisão.
Nos primeiros dias, Jácome deixou-se ficar estendido na sua cela, a pensar, tentando perceber porque é que fora parar ali. A cela possuía uma pequena janela, com grades, e ele podia ver o céu e os pássaros a voar.
“As pessoas”, concluiu Jácome, “as pessoas grandes têm medo de tudo o que é novo”.
Uma manhã acordou e viu um dos seus pássaros a voar pousado na janela.
- As crianças – disse-lhe o pássaro -, querem tirar-te da prisão.
Um pouco por toda a cidade as crianças organizavam manifestações a pedir a libertação de Jácome. Os bichos iam com elas. Viam-se meninos às costas dos estranhões. Viam-se bizarrocos aos gritos, segurando cartazes: “Queremos Jácome!”. “Jácome é um bom companheiro”. “Viva o inventor impossível”. Os adultos não sabiam o que fazer. Era uma revolução. As crianças, nas escolas, só falavam naquele assunto. Vinham para casa e exigiam aos pais a libertação de Jácome.
Finalmente, o chefe da polícia concordou em libertar o inventor. Quando chegaram à cela dele, porém, não o encontraram. A partir de um relógio de pulso, de um botão de camisa, de algumas molas da cama e de um lençol, Jácome tinha inventado, alguns dias antes, um aparelho atravessador de paredes. Montado nele, atravessou as paredes, como se estas fossem feitas de água e voltou tranquilamente para a sua oficina.
As crianças, os estranhões, os bizarrocos, os pássaros a vapor, as lagartixas com pele de arco-íris, enfim todos os bichos que ele havia inventado, receberam-no em festa. Uma festa que durou três dias.
O atravessador de paredes foi a única coisa útil que Jácome inventou. Tudo o resto nunca serviu para nada. Mas é muito importante.
José Eduardo Agualusa
Depois de lerem esta história, vejam se adivinham que invenções aparecem aqui desenhadas por nós.